domingo, 28 de outubro de 2012

O barco batizado Esperança - PARTE III - A Noite


Elena estava ao telefone, a falar com a sua mãe, quando Kostas entrou em casa. Acenou e ele replicou com um olá pouco convicto. Elena, sentiu uma bala no peito. Mas o que terá acontecido?, foi a primeira coisa que pensou. Do outro lado a sua mãe praguejava sentenças ao seu pai. Ela, há muito que estava farta das queixas da mãe sobre o pai, e só a ouvia por consideração, apesar de, já ter perdido a paciência para os devaneios da mãe. Eles que se entendessem. A sua preocupação por Kostas não a deixou tolerar por muito mais tempo a sua mãe. Ficou preocupada, imediatamente preocupada, muito preocupada. Percebeu imediatamente que qualquer coisa tinha acontecido e só queria despachar a mãe, para saber o que se tinha passado. «O teu pai só pensa nele! Dantes não era assim, não sei o que deu ao homem...», ouvia Elena do outro lado. Disse à mãe que o jantar estava ao lume e que tinha de voltar para a cozinha. Mesmo assim ela disse que voltava a ligar depois do jantar. «....Tenho de te contar mais uma do teu pai!». E assim acabou. Deu uma volta em torno da sala mas não encontrou Kostas. Espreitou pela porta do quarto que estava aberta e viu Kostas deitado na cama olhando para o tecto. Aproximou-se: «O que é que aconteceu?», e demasiado frouxamente ouviu-se, «Vou perder o emprego». Levou imediatamente as mãos à boca e começou a chorar, a soluçar, custando-lhe muito respirar. Kostas levantou-se, colocou o seu braço pelos seus ombros e guiou-a até à cama, onde se sentaram. Elena, colocou as suas mãos sobre as pernas e, Kostas, ia murmurando palavras de conforto que ela escutou mas que não ouviu. Para ela, era como, se, de repente, não existisse uma gota de ar no mundo. Não se aperceberam do tempo que, ali, na cama, ficaram sentados. «O que é que aconteceu?», voltou a perguntar, porque não estava segura do que tinha acontecido. Kostas, disse que era melhor levantarem-se e irem para a sala, porque estariam mais confortáveis no sofá. Kostas levantou-se puxando delicadamente as mãos de Elena. «Vamos». Naquele momento, Elena, já não sabia por que é que lhe custava tanto respirar, duvidando do que se estava a passar e do lugar onde estava, como quando nos sentimos depois de rodopiarmos sobre nós próprios a grande velocidade. Sentaram-se no sofá, com os joelhos a tocarem-se, em triângulo, e Kostas pousou as palmas das suas mãos sobre as de Elena que estavam sobre as suas pernas unidas. «Vou perder o emprego. O Estado não paga à minha empresa. Amanhã já não vou trabalhar.». Elena tinha a cabeça baixa e olhava para o chão querendo disfarçar o tumulto, a confusão e o medo, muito medo que a controlava. Iriam perder a casa? Iriam perder tudo? De que tinham valido todos os sacrifícios dos últimos anos? De que tinha valido renegociar o crédito habitação? De que tinha valido, de que tinha valido, de que tinha valido? Sentiu a esperança a transformar-se em ilusão. Toda a esperança que tinha crescido consigo, e que, acompanhara também o crescimento do seu corpo de menina a mulher, toda a esperança no futuro, na felicidade, numa forma de viver, de uma casa, de filhos, de uma família, metamorfoseou-se em ilusão. Todo o futuro transformou-se numa ilusão que, um dia, chamámos de esperança. Mas as ilusões não acontecem. E ao tirarem-lhe a esperança, deixou de acreditar que poderiam ser felizes. Experimentem esvaziar-se de qualquer esperança. Conseguem imaginar? Perguntem-se, como se sentirão se souberem que amanhã não poderão ser felizes? Que não vos deixam ser felizes, que não vos deixam concretizar tudo o que imaginaram? O ser humano mantém-se porque tem esperança. Porque a esperança alimenta todo o futuro, todo o sacrifício. Mas se um dia vos tirarem a esperança, então, tirar-vos-ão de vós próprios, de nós próprios. Sentiremos que não somos nada e que estamos aniquilados. Sem esperança nada faz sentido. E a esperança é sempre que o dia de amanhã será melhor do que o dia de hoje. Foi assim, esvaziados, depauperados que, Kostas e Elena, passaram o serão no sofá: ele sentado numa ponta do sofá e ela, ela aninhada a seu colo. Não falaram muito, para além de ele lhe ter contado toda a história do dia. Nem ela nem ele conseguiam, nem queriam, pensar, por agora, nas consequências. Elena sempre admirara em Kostas a sua capacidade para não se lamentar nos dias das desgraças. Na hora das noticias, no dia das notícias, sempre se mantivera frio, calculista, e sempre a conseguira apoiar. Pelo contrário, ela, sempre fora mais fraca ao receberam as noticias, mas depois, depois do impacto, depois de chorar e de se lamentar sempre fora mais forte. Nunca ficou no dia atrás. Assim, ela sabia que,  Kostas, amanhã, estaria de rastos, como se sofresse um ferimento lento. E amanhã seria ela a dar-lhe a mão. Quando estavam no sofá a mãe de Elena telefonou. Tiveram de atender porque, se não, ela ficaria preocupada. Elena atendeu com uma voz morta, e do outro lado ouviu-se, «O que é que aconteceu?!». Disse-lhe que Kostas também perdera o emprego. Do outro lado escutou-se, por instantes, o silêncio,
                                                          até que, «O quê??? O que é que aconteceu? Ai meu Deus......».
Não era muito avançada a noite quando se foram deitar. Elena estava mais calma e o choque inicial desvanecera-se. Kostas estava na cozinha e comia qualquer coisa ao balcão. Elena aproximou-se por detrás abraçando-o pelo peito. Elena só queria ir dormir, não queria falar de nada. Esquecer por umas horas e só amanhã acordar para uma nova realidade. Deitaram-se e ficaram juntos, perto um do outro, no seu calor. Elena sabia que Kostas provavelmente não iria pregar olho. Aquela ferida lenta iria alastra-se e no dia seguinte estaria em carne viva. Agarrou-lhe a mão e depois adormeceu. Acordou a meio da noite preocupada com Kostas. No dia em que fora despedida fora acordada a meio da noite pelo zumbido da campainha de casa. Quando abrira os olhos Kostas não estava na cama. Levantara-se, apressada, e não fora capaz de quantificar o receio que tinha. Quando espreitara pela janela, vira Kostas acompanhado de um polícia. Kostas tinha saído com o carro, mas adormecera ao volante. Felizmente, adormeceu quando estava parado num semáforo.
Por isso custou-lhe a dormir. Quando acordou a meio da noite e não sentiu o seu toque aterrorizou-se. Virou-se. Kostas olhava o tecto, «Dorme», disse ele. Dormiu tranquilamente. Acordou pouco depois de amanhecer e não viu Kostas. Sentiu novamente dificuldade em respirar. Gritou, «Kostas?!». Kostas não estava em casa.


PARTE IV - A Ilusão

PARTE V - A Esperança

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