domingo, 28 de outubro de 2012

O barco batizado Esperança - PARTE I - A Manhã


PARTE I - A MANHÃ
Ainda existia o azul-noite sobre as montanhas e os subúrbios de Atenas. Numa casa pequena e num quarto pequeno tocou o despertador. Por momentos sentiu-se a incoerência de um corpo, ainda, sensível ao peso da noite. Poucos minutos depois o despertador tocou uma segunda vez e os olhos de Kostas despertaram devagar. Deixou-se ficar mais uns minutos. Aos poucos a consciência. Aos poucos......Levantou-se sem cambalear. Elena mexeu-se e, ocupava, agora, todo o espaço da cama, envisgando-se de sopor. A meia-luz, Kostas, tomou um duche rápido e vestiu-se. Hoje, está bastante bem disposto, e a alvorada não custou. Ontem, desfrutaram de uma noite agradável em casa, depois de saberem que o banco aceitou a renegociação do crédito habitação. Assim, deram-se a uma noite aprazível, no sossego da sala: uma refeição encomendada, dois corpos num sofá, um filme. Kostas desligou a meia-luz e saiu para a sala. Empreendia uma leve satisfação que não é fácil de encontrar quando ainda se acorda sob a cor-da-noite. Mas hoje, o futuro é encarado com mais esperança. Elena é psicóloga e trabalhava no departamento de recursos humanos de uma gigante consultora financeira. Há uns meses a empresa iniciou um processo de reestruturação e Elena foi dispensada. Agora vive do subsidio de desemprego. Kostas é responsável pela logística nos estaleiros navais de Atenas e, apesar, de os trabalhadores do estaleiro contratados directamente pelo Estado não receberem os salários faz seis meses, Kostas não padece de tal infortúnio, uma vez que, é contratado através de uma empresa externa e privada. E mesmo que o seu salário venha a sofrer alguma redução, será suficiente para pagar todas as despesas após a renegociação do crédito. Na sala ainda se descobriam os vestígios da noite anterior: um cobertor sobre o sofá, dois copos sujos a cor-de-vinho tinto sobre a mesa e, algumas migalhas de aperitivos sobre o chão e o sofá. Na cozinha, tomou o pequeno-almoço e preparou a marmita. Olhou pela janela, mas nada viu para além de escuridão. Voltou à sala, e vestiu um casaco de meia-estação que estava pendurado numa cadeira. Por fim, agarrou nas chaves e na carteira que estavam sobre o móvel no hall. Saiu de casa. Sob o olhar, ainda desprendido da noite, caminhou, talvez, uns três minutos, até à paragem do autocarro. Sentia-se embriagado pela frescura da manhã feita cor-de-noite, que já há muito tempo se habituara, quando, ele e Elena, se mudaram para os subúrbios da capital, onde as rendas são mais baratas, mas as viagens mais longas. Na paragem, seis ou sete pessoas, colegas de um rito. Esperou. Conversas de circunstância depois de um bom dia, de um como está, ou simplesmente, sorrisos cordiais, ou um silêncio escuro. Kostas entrou num autocarro, a esta hora, ainda meio ocupado. Durante a viagem a noite transformou-se em dia. Numa paragem desceu, apanhou o metro e, depois de mais uns vinte minutos, talvez trinta, apanhou outro autocarro, este cheio, que o levou até aos estaleiros. Entrou num pequeno gabinete, numa das pontas do estaleiro onde cabiam três secretárias, que partilhava com outros dois colegas, mas que ainda não tinham chegado. O gabinete não era muito iluminado a luz natural porque apenas dispunha de uma pequena janela. Mas, pelo menos, da janela perscrutava-se o mar. Todos os dias, antes de se sentar, no gesto de preparar a cadeira, suspirava de angústia. Era uma cadeira velha, gasta e empenada, naturalmente desconfortável. Faz muito que pedira novos equipamentos para o seu gabinete, mas a administração sempre lhe dissera que não haviam verbas disponíveis. Também, o computador, não passava de uma caixa velha que já mais complicava do que ajudava: o software não podia ser actualizado porque o hardware estava obsoleto, resultando em bloqueios não pouco frequentes e consequente perda de informação, horas de trabalho improdutivas. Depois de pousar a mala, preferiu sair até lá fora, aguardando os seus colegas. Esperou olhando para um velho navio, atracado e a aguardar reparação havia mais de um ano. Até que. Até que à entrada dos estaleiros, lá vinham os seus dois colegas. Kostas acenou e, começou a deslocar-se para juntar-se-lhes a meio do recinto, uma vez que, iriam dirigir-se para o refeitório que ficava num outro edifício do outro lado. No refeitório, outros colegas, desanimados, após meses difíceis, após perdas, lutas, manifestações, que nada nada nada resolveram. Saíram agarrando e bebericando, cada um, um café grego que, até, a mais forte das insónias acordaria. Voltaram para o gabinete, onde, os aguardava uma manhã de farta paciência. Kostas, sentou-se à sua secretária onde um acervo de documentos o intimidavam. Porém, hoje, o contentamento de Kostas impedia-o de se contristar por todas as contrariedades irresolúveis.
Pouco faltava para chegar o meio da manhã quando o telefone sobre a mesa de Kostas tocou em tom de augúrio. Atendeu descontraidamente e, do outro lado, reconheceu a voz rouca mas firme, que anunciava o chefe da sua empresa. Comunicou que os três se deveriam apresentar, nesse mesmo dia, nos escritórios da sede.

PARTE II- O Fim de Tarde

PARTE III- A Noite

PARTE IV - A Ilusão

PARTE V - A Esperança

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