O barco batizado Esperança - PARTE I - A Manhã
Ainda
existia o azul-noite sobre as montanhas e os subúrbios de Atenas.
Numa casa pequena e num quarto pequeno tocou o despertador. Por
momentos sentiu-se a incoerência de um corpo, ainda, sensível ao
peso da noite. Poucos minutos depois o despertador tocou uma segunda
vez e os olhos de Kostas despertaram devagar. Deixou-se ficar mais
uns minutos. Aos poucos a consciência. Aos poucos......Levantou-se sem cambalear.
Elena mexeu-se e, ocupava, agora, todo o espaço da cama,
envisgando-se de sopor. A meia-luz, Kostas, tomou um duche rápido e
vestiu-se. Hoje, está bastante bem disposto, e a alvorada não
custou. Ontem, desfrutaram de uma noite agradável em casa, depois de
saberem que o banco aceitou a renegociação do crédito habitação.
Assim, deram-se a uma noite aprazível, no sossego da sala: uma
refeição encomendada, dois corpos num sofá, um filme. Kostas
desligou a meia-luz e saiu para a sala. Empreendia uma leve
satisfação que não é fácil de encontrar quando ainda se acorda
sob a cor-da-noite. Mas hoje, o futuro é encarado com mais
esperança. Elena é psicóloga e trabalhava no departamento de
recursos humanos de uma gigante consultora financeira. Há uns meses
a empresa iniciou um processo de reestruturação e Elena foi
dispensada. Agora vive do subsidio de desemprego. Kostas é
responsável pela logística nos estaleiros navais de Atenas e,
apesar, de os trabalhadores do estaleiro contratados directamente
pelo Estado não receberem os salários faz seis meses, Kostas não
padece de tal infortúnio, uma vez que, é contratado através de uma
empresa externa e privada. E mesmo que o seu salário venha a sofrer
alguma redução, será suficiente para pagar todas as despesas após
a renegociação do crédito. Na sala ainda se descobriam os vestígios
da noite anterior: um cobertor sobre o sofá, dois copos sujos a
cor-de-vinho tinto sobre a mesa e, algumas migalhas de aperitivos sobre o
chão e o sofá. Na cozinha, tomou o pequeno-almoço e preparou
a marmita. Olhou pela janela, mas nada viu para além de escuridão. Voltou à sala, e vestiu um casaco de meia-estação que estava pendurado numa cadeira. Por fim, agarrou nas chaves e na carteira que estavam sobre o móvel no hall. Saiu de casa. Sob o olhar, ainda
desprendido da noite, caminhou, talvez, uns três minutos, até à
paragem do autocarro. Sentia-se embriagado pela frescura da manhã
feita cor-de-noite, que já há muito tempo se habituara, quando, ele e
Elena, se mudaram para os subúrbios da capital, onde as rendas são
mais baratas, mas as viagens mais longas. Na paragem, seis ou sete
pessoas, colegas de um rito. Esperou. Conversas de circunstância
depois de um bom dia, de um como está, ou simplesmente, sorrisos
cordiais, ou um silêncio escuro. Kostas entrou num autocarro, a esta
hora, ainda meio ocupado. Durante a viagem a noite
transformou-se em dia. Numa paragem desceu, apanhou o metro e, depois
de mais uns vinte minutos, talvez trinta, apanhou outro autocarro,
este cheio, que o levou até aos estaleiros. Entrou num pequeno
gabinete, numa das pontas do estaleiro onde cabiam três secretárias, que partilhava com outros dois colegas, mas que ainda não tinham
chegado. O gabinete não era muito iluminado a luz natural porque
apenas dispunha de uma pequena janela. Mas, pelo menos, da janela
perscrutava-se o mar. Todos os dias, antes de se sentar, no gesto de preparar a cadeira, suspirava de angústia. Era uma cadeira
velha, gasta e empenada, naturalmente desconfortável. Faz muito que
pedira novos equipamentos para o seu gabinete, mas a administração
sempre lhe dissera que não haviam verbas disponíveis. Também, o
computador, não passava de uma caixa velha que já mais complicava do
que ajudava: o software não podia ser actualizado porque o hardware
estava obsoleto, resultando em bloqueios não pouco frequentes e
consequente perda de informação, horas de trabalho improdutivas.
Depois de pousar a mala, preferiu sair até lá fora, aguardando os
seus colegas. Esperou olhando para um velho navio, atracado e a
aguardar reparação havia mais de um ano. Até que. Até que à
entrada dos estaleiros, lá vinham os seus dois colegas. Kostas
acenou e, começou a deslocar-se para juntar-se-lhes a meio do
recinto, uma vez que, iriam dirigir-se para o refeitório que ficava
num outro edifício do outro lado. No refeitório, outros colegas,
desanimados, após meses difíceis, após perdas,
lutas, manifestações, que nada nada nada resolveram. Saíram
agarrando e bebericando, cada um, um café grego que, até, a mais
forte das insónias acordaria. Voltaram para o gabinete, onde, os
aguardava uma manhã de farta paciência. Kostas, sentou-se à sua
secretária onde um acervo de documentos o intimidavam. Porém, hoje,
o contentamento de Kostas impedia-o de se contristar por todas as
contrariedades irresolúveis.
Pouco
faltava para chegar o meio da manhã quando o telefone sobre a mesa de
Kostas tocou em tom de augúrio. Atendeu descontraidamente e, do outro lado, reconheceu
a voz rouca mas firme, que anunciava o chefe da sua empresa.
Comunicou que os três se deveriam apresentar, nesse mesmo dia, nos
escritórios da sede.
PARTE II- O Fim de Tarde
PARTE III- A Noite
PARTE IV - A Ilusão
PARTE V - A Esperança
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