domingo, 28 de outubro de 2012

O barco batizado Esperança - PARTE V - A Esperança

Elena sentia-se inebriada. Para ela era como se um ajuntamento de crianças num pátio de recreio tivesse sido a melhor invenção de toda a revolução industrial. Nada nada nada, até agora, a tinha feito sentir-se, simultaneamente no seu passado, no presente, e no futuro. Nada. Esta invenção do século XX, um pátio de recreio para as crianças brincarem. Brincarem. E depois, depois o som longínquo de muitas crianças a brincarem, tão longínquo como a nossa infância, tão real como tu e eu, tão ilusório como o futuro. É esta, para Elena, a melhor invenção que a revolução industrial proporcionou. Elena chamou-lhe, a máquina do tempo.Entre o silencio que a revolução industrial desinventou, Kostas e Elena mantiveram-se ensimesmados no interior do seu tempo e da sua história.. Até que. Até que:
«Elena?»
«Sim?»
«Sabes como eu imagino a esperança?»
«Não. Conta-me» E sorriu.
«A esperança é como um rio que nasce na montanha, e nós somos como os tripulantes de um barco baptizado de Esperança. E nesse barco iremos descer o rio até ao mar. Lá em cima, no monte, na nascente, na serra, tudo é puro e belo, e temos o mundo nas nossas mãos, tal e qual como as crianças. Somos pequeninos, e admiramos o mundo, que, lá de cima, é belo. E lá, onde o rio nasce, ainda podemos apreciar a montanha, os vales, e respirar, respirar, principalmente respirar. Mas é uma ilusão. Quando chegamos lá a baixo a vista não é a mesma que a lá de cima. E depois temos de descer o rio da montanha até ao grande rio lá em baixo, onde aflui o nosso rio da montanha. Começamos a descer e, aos poucos, aos poucos tudo é cada vez mais rápido. Tudo começa a ser mais difícil. O rio da montanha é rápido, não controlamos nada e, só poucas vezes, temos tempo para parar e olhar, apreciar. A paisagem, não temos o tempo que queríamos para a paisagem.O mundo. Controlamos os nosso barco, mas não controlamos o rio.Nesta descida tudo vale para não virarmos, não tombarmos e, principalmente, para sermos os primeiros, os primeiros a encontrar o rio da montanha com o percurso mais curto até ao grande rio lá em baixo, onde desaguaremos. Porque, porque depois de desaguarmos no grande rio, ai, e só ai, voltaremos a encontrar alguma tranquilidade, como a que conhecemos lá em cima. Alcançar a nossa esperança é alcançar o grande rio lá em baixo onde, então, poderemos tranquilamente apreciar a viagem até à foz. Na foz, desaguaremos no mar, e lá ninguém sabe o que encontraremos, se um mar agitado, se uma mar calmo. O mar, é a nossa velhice. É deixarmo-nos à deriva, depois da viagem, sem mais fôlego para nada mais alcançar. Tudo já é longe de mais, tudo ficou para trás. Fizemos a nossa viagem num barco baptizado de Esperança.»
Na verdade, um dos maiores impulsos do ser humano é a esperança. E ao tirarem-nos a esperança tiram-nos o alimento para acreditar que poderemos ser felizes. Haja esperança, porque a esperança é tão natural e necessária num adulto como a ilusão o é numa criança.
Sob a leve harmonia da infância, Kostas e Elena levantaram-se do banco de jardim.
«Elena?»
«Sim?»
«Já não somos crianças, pois não?»
Elena, sorriu.

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