O barco batizado Esperança - PARTE II - O Fim da Tarde
Era
quase fim de tarde e Kostas estava sentado numa esplanada
contemplando uma praceta de Atenas. Estava sozinho, e, de vez em
quando, elevava o braço, trémulo, para bebericar um pouco do frapé
que tinha sobre a mesa. Olhava para a pequena praceta. Era costume
sentar-se ali com alguns amigos, alguns dias da semana, depois do
trabalho. Mas hoje estava demasiado frustrado, demasiado
desiludido e, apoderara-se em si uma certa animosidade. Nem a imagem
da capela ortodoxa no centro da praceta lhe preenchia uma ínfima
esperança. Da praceta contemplava o futuro: um recuo imenso em
relação ao futuro de ontem, porque toda a esperança se esvaecera
de si. Perdera a esperança sobre a esperança, quando o futuro não
se imagina melhor do que aquele que temos hoje. É para isso que nos
serve a esperança. O discurso no escritório retumbava-lhe pelas
vísceras. Retumbava. Retumbava. Quando entrou no pequeno escritório
da sede, que ficava num bairro residencial, sentiu imediatamente um
ambiente funesto impregnado. Não trabalhavam lá mais de seis ou
sete pessoas, mas naquele dia estavam lá, pelo menos, cerca de
trinta. Não foram só os três, colegas do estaleiro naval, foram
mais alguns colegas que estavam destacados em outros serviços,
noutros locais. A cara do chefe não deixava grande margem para
dúvidas, o discurso não se prognosticava amigável. Kostas
olhava à volta, para os seus colegas, mas eles também, de olhos
perdidos, suplicantes, provavelmente à procura do mesmo que ele:
repostas às perguntas que os assombravam. O chefe
posicionou-se no centro da sala, e eles encostados às poucas paredes
livres, a moveis ou, encavalitados em secretárias, tentando arranjar
espaço para todos. Começou por agradecer a presença de todos. Uma
sala tão pequena, que estavam todos tão apertados que, mesmo só decorridos dez ou quinze minutos de estarem lá dentro já estavam
todos a arfar e a suar. Tiveram de abrir as janelas para refrescar o
ar. Kostas, sentiu um nervosismo dentro de si como não sentira há
muito tempo, aliás, um nervosismo nunca antes sentido, não daquela
forma: não seria ele a tomar uma opção sobre si. Foi num ambiente
tepidamente gelado, que ouviu a comunicação do chefe, que, após
uma introdução atabalhoada, pausada, tartamuda, afirmou que a
administração já tinha esgotado todos os mecanismos possíveis,
que todas as alternativas tinham já sido estudadas, mas
que, infelizmente, neste momento, era impossível evitar os
despedimentos, uma vez que, o Estado não pagava os serviços
contratados, faz mais de quatro meses. Reparou na consternação do
chefe e acreditou que aquelas palavras e este desfecho não lhe
tenham sido fáceis. No fim, o chefe retirou-se, sem antes dizer que
podiam ir para casa, que a partir do dia seguinte já não
trabalhavam, que mais tarde seriam contactados para a apresentação
da proposta de rescisão do contracto. E assim saiu, o chefe, suado,
de passo rápido mas curto, para o seu gabinete. Não será
necessário dizer que na sala se instalou o caos, a angústia
banhadas de lágrimas e lamentos. Kostas ainda conversou um pouco com alguns colegas mas não conseguiu aguentar por muito tempo aquele
cenário. Saiu do infausto escritório, decidindo ir sozinho até ao
café da praceta, onde pensou que poderia animar-se um pouco. Mas não
conseguiu. Pelo contrário. A cada passo que se distanciava daquele
escritório parecia que se colocava mais longe da sua vida, a vida
que iria perder. E assim, caminhou, até chegar à praceta, sentindo
que se afastava cada vez mais de ele próprio, como se, em cada passo, se despegassem de si todos os passos da sua vida. Mas também, não
conseguiu afastar a imaginação poeirenta do seu futuro. Chegado à
praceta sentou-se na esplanada e pediu um frapé. Enquanto esperava
lembrou-se de Elena. Não sabia como lhe contar. Ainda ontem estavam
tão aliviados por terem renegociado o crédito habitação, ainda
ontem que as coisas pareciam encaminhar-se para melhor. Tudo isso
depois de ela ter sido despedida faz mais de um ano. Sofreram muito
com o despedimento dela, tiveram de mudar muitos planos e fazer
muitos sacrifícios. E agora como lhe dizer que ainda não acabou?
Que há pior? Apesar de ter Elena como uma pessoa forte, e de saber
que ela o é, sabia que, esta mudança, a iria destabilizar: foi um
esforço imenso para renegociar o crédito habitação e para mudar o
estilo de vida. Quando se distanciou destes pensamentos já se tinha
esquecido que tinha um frapé em cima da mesa. Mas, também, já se
tinha esquecido que estava numa praceta de Atenas. A noite caíra.
Não enviou nenhuma mensagem, nem telefonou a Elena antes de chegar a
casa. Mas já sabia o que ela iria dizer, assim que o visse, porque nunca
conseguiu esconder nada dela, nem mesmo disfarçar. Levantou-se,
pagou a conta, apanhou o metro e depois o autocarro. Pelo caminho,
pensava que teria tempo de descobrir como iria contar-lhe tudo. O
problema sabemos que não foi tempo; talvez a sua
inépcia a esconder seja o que fosse de Elena. E não descobriu nem
uma palavra que suavizasse a desgraça ou que, pelo menos, não a ferisse, pensava ele. Mas como já se disse, já sabia o que ela diria assim
que o visse, «O que é que aconteceu?».
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PARTE IV - A Ilusão
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