domingo, 28 de outubro de 2012

O barco batizado Esperança - PARTE II - O Fim da Tarde




PARTE II - O FIM DE TARDE





Era quase fim de tarde e Kostas estava sentado numa esplanada contemplando uma praceta de Atenas. Estava sozinho, e, de vez em quando, elevava o braço, trémulo, para bebericar um pouco do frapé que tinha sobre a mesa. Olhava para a pequena praceta. Era costume sentar-se ali com alguns amigos, alguns dias da semana, depois do trabalho. Mas hoje estava demasiado frustrado, demasiado desiludido e, apoderara-se em si uma certa animosidade. Nem a imagem da capela ortodoxa no centro da praceta lhe preenchia uma ínfima esperança. Da praceta contemplava o futuro: um recuo imenso em relação ao futuro de ontem, porque toda a esperança se esvaecera de si. Perdera a esperança sobre a esperança, quando o futuro não se imagina melhor do que aquele que temos hoje. É para isso que nos serve a esperança. O discurso no escritório retumbava-lhe pelas vísceras. Retumbava. Retumbava. Quando entrou no pequeno escritório da sede, que ficava num bairro residencial, sentiu imediatamente um ambiente funesto impregnado. Não trabalhavam lá mais de seis ou sete pessoas, mas naquele dia estavam lá, pelo menos, cerca de trinta. Não foram só os três, colegas do estaleiro naval, foram mais alguns colegas que estavam destacados em outros serviços, noutros locais. A cara do chefe não deixava grande margem para dúvidas, o discurso não se prognosticava amigável.  Kostas olhava à volta, para os seus colegas, mas eles também, de olhos perdidos, suplicantes, provavelmente à procura do mesmo que ele: repostas às perguntas que os assombravam.  O chefe posicionou-se no centro da sala, e eles encostados às poucas paredes livres, a moveis ou, encavalitados em secretárias, tentando arranjar espaço para todos. Começou por agradecer a presença de todos. Uma sala tão pequena, que estavam todos tão apertados que, mesmo só decorridos dez ou quinze minutos de estarem lá dentro já estavam todos a arfar e a suar. Tiveram de abrir as janelas para refrescar o ar. Kostas, sentiu um nervosismo dentro de si como não sentira há muito tempo, aliás, um nervosismo nunca antes sentido, não daquela forma: não seria ele a tomar uma opção sobre si. Foi num ambiente tepidamente gelado, que ouviu a comunicação do chefe, que, após uma introdução atabalhoada, pausada, tartamuda, afirmou que a administração já tinha esgotado todos os mecanismos possíveis, que todas as alternativas  tinham já sido estudadas, mas que, infelizmente, neste momento, era impossível evitar os despedimentos, uma vez que, o Estado não pagava os serviços contratados, faz mais de quatro meses. Reparou na consternação do chefe e acreditou que aquelas palavras e este desfecho não lhe tenham sido fáceis. No fim, o chefe retirou-se, sem antes dizer que podiam ir para casa, que a partir do dia seguinte já não trabalhavam, que mais tarde seriam contactados para a apresentação da proposta de rescisão do contracto. E assim saiu, o chefe, suado, de passo rápido mas curto, para o seu gabinete. Não será necessário dizer que na sala se instalou o caos, a angústia banhadas de lágrimas e lamentos. Kostas ainda conversou um pouco com alguns colegas mas não conseguiu aguentar por muito tempo aquele cenário. Saiu do infausto escritório, decidindo ir sozinho até ao café da praceta, onde pensou que poderia animar-se um pouco. Mas não conseguiu. Pelo contrário. A cada passo que se distanciava daquele escritório parecia que se colocava mais longe da sua vida, a vida que iria perder. E assim, caminhou, até chegar à praceta, sentindo que se afastava cada vez mais de ele próprio, como se, em cada passo, se despegassem de si todos os passos da sua vida. Mas também, não conseguiu afastar a imaginação poeirenta do seu futuro. Chegado à praceta sentou-se na esplanada e pediu um frapé. Enquanto esperava lembrou-se de Elena. Não sabia como lhe contar. Ainda ontem estavam tão aliviados por terem renegociado o crédito habitação, ainda ontem que as coisas pareciam encaminhar-se para melhor. Tudo isso depois de ela ter sido despedida faz mais de um ano. Sofreram muito com o despedimento dela, tiveram de mudar muitos planos e fazer muitos sacrifícios. E agora como lhe dizer que ainda não acabou? Que há pior? Apesar de ter Elena como uma pessoa forte, e de saber que ela o é, sabia que, esta mudança, a iria destabilizar: foi um esforço imenso para renegociar o crédito habitação e para mudar o estilo de vida. Quando se distanciou destes pensamentos já se tinha esquecido que tinha um frapé em cima da mesa. Mas, também, já se tinha esquecido que estava numa praceta de Atenas. A noite caíra. Não enviou nenhuma mensagem, nem telefonou a Elena antes de chegar a casa. Mas já sabia o que ela iria dizer, assim que o visse, porque nunca conseguiu esconder nada dela, nem mesmo disfarçar. Levantou-se, pagou a conta, apanhou o metro e depois o autocarro. Pelo caminho, pensava que teria tempo de descobrir como iria contar-lhe tudo. O problema sabemos que não foi tempo; talvez a sua inépcia a esconder seja o que fosse de Elena. E não descobriu nem uma palavra que suavizasse a desgraça ou que, pelo menos, não a ferisse, pensava ele. Mas como já se disse, já sabia o que ela diria assim que o visse, «O que é que aconteceu?».


PARTE III- A Noite

PARTE IV - A Ilusão

PARTE V - A Esperança

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