sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Quase quase quase... Um Conto de Natal - PARTE I



PARTE I – A FOTOGRAFIA

Caminho por ruas estreitas, de chão negro, pedra negra, encoberta, por vezes, pela neve. Das ruas limparam a neve de Natal que, repousa encostada aos edifícios, como uma enorme fita branca que decora, de um lado e do outro a rua. O contraste da cor da pedra e da cor da neve torna estas ruas de uma beleza singular, simples, como dois opostos que se complementam. Subo a rua, sem avistar nenhum outro transeunte. Mas não sigo sozinho. Comigo, Ingrid, a minha mulher. Vem um pouco mais atrás. Além de Ingrid, só o silêncio de uma rua vazia, o silêncio frio, como o frio acolhedor dos dias entre o Natal e o ano novo. O céu está azul. Subo e, de vez em quando, olho para as montras, que, de um lado e do outro, estão a ser remodeladas para os saldos. Não tenho as luvas calçadas, por isso, mantenho as mãos dentro dos bolsos do blusão. Por momentos paro, olho para trás, e vejo Ingrid que sorri para mim. Estranho. Não, não é o sorrir que é estranho. Estranho é aquela forma de sorriso. Não sei. Há coisas que eu nunca percebi nela. Esboço também um sorriso. Conhecemo-nos nesta cidadezinha quando éramos estudantes, e aqui ficámos. Cada um arranjou o seu emprego, depois comprámos uma casa e tivemos filhos, que já estão crescidos e que já têm, também eles, os seus filhos, ou seja, os nossos netos. Todos os Natais são passados na nossa cidade, aqui, no norte. Entretanto, Ingrid apanhou-me e dá-me uma pancadinha com o cotovelo para seguirmos. Pede-me para levar os sacos do supermercado. Calço as luvas e agarro os sacos. Alguns comerciantes, de vez em quando, assomam à porta do estabelecimento, espreitando, mas depressa voltam para dentro, porque está muito frio cá fora. Continuamos a andar, e depressa chegamos ao limite urbano. O carro está já ali, e seguimos para casa. Quando entramos dentro de casa, ouvimos os netos. Brincam com as prendas de Natal. Hans, o mais velho, de sete anos, vem a correr até nós, e dá um abraço a Ingrid, que quase cai desequilibrada, porque nem teve tempo de colocar os sacos do supermercado no chão. Entretanto, aparece Claudia, a mais nova. Dispo-me do blusão, calço umas pantufas e pego-a ao colo. Vamos para a sala. Não temos lareira, mas o aquecimento central e as luzes dos candelabros, a meia-luz, e cor âmbar, tranquilizam-me, como se sentisse centelhas imaginárias de uma quadra natalícia. A luz do céu azul que entra pelas janelas também aquece. Vejo que está tudo uma grande confusão! Nem o castelo de Hans, já erecto, altivo, impõe respeito, mesmo, mesmo no meio da sala! Como podia? Elisa, uma das minhas noras, diz-me que não sabe onde, mas os cachopos descobriram uma fotografia do avô, muito novo, ainda muito novo, não sabe ela onde? De facto, não tenho fotografias espalhadas pela casa, pelo menos minhas. Também não sei. Os malandros devem ter vasculhado as gavetas. Ai os malandros! Sento-me no sofá e Hans vem sentar-se ao meu colo. Mostra-me uma fotografia e pergunta-me se sou eu? Olho bem para a fotografia, a preto e branco, e, sim, sou eu. Mas era muito novo. Deve ter sido mais ou menos na altura em que conheci Ingrid. Peço a Hans para saltar, para eu ir buscar mais fotografias. Ao levantar-me, lembro-me de perguntar:
–“Mas onde arranjaste tu essa fotografia?”
–“Estava no sofá.”
–“No sofá? – Mas só podia estar no sofá se alguém mexeu na gaveta. –“Alguém andou a mexer nas gavetas?” – Mas ninguém respondeu.
Abro a gaveta do móvel da sala e, claro, está desarrumada, Hans, o malandro? Tiro os álbuns de fotografias e sento-me novamente no sofá, puxando Claudia para o meu colo. Chamo, Hans, Derek, Maike e Elisa e Eva, as minhas duas noras. Desfilo pelos álbuns de fotografias. Fotografias desde a minha infância, até aos meus filhos, mostrando os meus tempos de estudante e de militar, de antigas namoradas e, claro, de Ingrid. Onde está ela? Deve estar na cozinha a arrumar as compras do supermercado. Maike, de quatro anos, olhos azuis profundos e um louro pueril, diz-me, com alguma surpresa dela, que eu era magro!
–“Já foste magro avô?”
–“Sim, já fui!”, já fui magro, já fui jovem e um dia o meu cabelo já foi ouro em vez de prata. E Ingrid…
–“A avó era muito bonita!”, continua Maike.
Sim como era bela, repito dentro de mim, como me lembro! Conto algumas histórias aos miúdos, principalmente das primeiras fotografias de quando comecei a namorar com Ingrid.
–“Achavas a avó bonita avô?”
–“Sim, a tua avó era muito bonita!”
–“E ainda achas a avó bonita?”
Esta pergunta retumba em mim, como um grito ecoando pelos vales das montanhas. Como posso responder eu a esta pergunta, sendo verdadeiramente honesto? Sim, ainda acho Ingrid muito bonita, mas claro, não a mesma beleza que me cativou quando a conheci. Agora, agora a beleza é diferente. Mas eu sei que Maike não me pergunta por esta beleza diferente que, só depois do tempo, se pode conhecer.
– “Sim, cada vez acho a tua avó mais bonita.”
Que mais posso eu responder, a uma criança, que, que ainda só conhece a beleza perecível do rosto? Como lhe posso explicar, que não estou a falar da mesma beleza que ela me questiona? Até que ouço:
–“Eu também acho a avó muito bonita”, diz Maike, num sorriso enorme!
Continuamos entre histórias. Alguns minutos. As minhas noras vão pegando e despegando em fotografias. E, entre elas, de risos prazenteiros, lá vão comparando os seus maridos, ou seja, os meus filhos, a mim e a Ingrid, quando mais novos.  O nariz é meu, as orelhas são dela, os olhos, as mãos, os olhos, o cabelo, os olhos, o queixo, os olhos, o tom de pele, a pele, o rosto, o rosto……
Entretanto aparece Ingrid no corredor, e pede-me ajuda na cozinha. Elisa e Eva prontificam-se, mas nós recusamos, dizemos a elas para ficarem com os miúdos. Onde estão os meus filhos? Devem ter saído. Digo a Ingrid que ainda vou passar pela casa-de-banho. Caminho pelo corredor e retumba, “E ainda achas a avó bonita?”, “E ainda achas a avó bonita?”, “E ainda achas a avó bonita?”… e eu? E a minha beleza efémera?, já fui magro, já fui jovem e um dia o meu cabelo já foi ouro em vez de prata….. Entro na casa-de-banho e não evito, não evito. Olho-me ao espelho. Entre mim e o espelho o tempo pára. A vida pára. Porque de um lado e do outro somos iguais, somos o mesmo, somos o mesmo rosto. E. E é então que me vem à cabeça, a ideia da sorte, da nossa sorte:

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