A Caixa
É um fim de tarde pontuado pela languidez de um sol fugidio. Sobre a
mesa da sala uma pequena caixa de madeira. Percorrendo a sala de uma ponta à
outra, os seus olhos encontram demasiadas vezes a caixa. Num ímpeto, abre as
janelas e portadas, e a brancura das paredes interiores pinta-se de cor hibisco
paixão.
Ela.
Transmuta-se de um estado letárgico sentindo agora a leve
circulação de uma electricidade estática rejuvenescente. Seduzida, agora, desloca-se
até ao canto da sala onde um gira-discos está adormecido. Ela desperta-o, e na
sala os forasteiros raios apaixonados vibram agora ao som de uma guitarra
flamenca, transformando o ambiente numa onda de mar de flores de hibisco. Ela.
Deita-se no sofá e adormece.
Sobrepondo-se aos sons da guitarra, um telefonema desperta-a. Do outro
lado uma voz rouca.
- Sim, combinado - respondeu ela.
Furtada ao seu torpor volta a mirar a caixa. Abre-a, e uma lágrima pende
agora sobre os tons lívidos da sua face, e fecha-a. Em passos curtos vai até
ao quarto, e do roupeiro escolhe um vestido simples de cor púrpura. Veste-se. Volta à
sala. Pega na caixa, coloca-a na mala e sai.
Caminha agora por ruas estreitas da pequena vila, envolvida pelo
ambiente morno e acolhedor de um fim de tarde de verão. Mas os seus olhos
seguem cabisbaixos e molhados, ignorando a fotografia dos lugares timidamente
encantadores. Sobre o seu ombro direito mantém alçada a mala, que segura com
ambas as mãos, sentindo por vezes o balançar da caixa de madeira.
Em poucos minutos depara-se à porta de um restaurante. Entra.
Um empregado apresenta as suas saudações, ela agradece, sorri, e diz que
precisa de nada. O empregado afasta-se. Ela olha em redor e, ao fundo numa mesa
discreta, avista um homem de tez morena, de compleição forte e cabelo grisalho
penteado para trás. O homem fala com um outro sentado à sua frente. Ela
aproxima-se, e com um gesto de cabeça o homem de tez morena manda o outro
levantar-se e afastar-se. Ela senta-se e diz nada. O homem de tez morena
cumprimenta-a. Ela diz nada e da mala retira a caixa de madeira colocando-a
sobre a mesa. O homem de tez morena faz um sinal de cabeça ao outro homem, que
há bocado despachara mas que se mantivera perto. Esse outro aproxima-se.
- Com licença – dirigindo-se a ela, na sua voz rouca, pega na caixa e
desaparece por instantes.
De regresso, a guitarra flamenca continua a preencher o ar, agora com uma cor hibisco paixão menos expansiva mas suave. Ela senta-se e por momentos respira fundo, bem fundo, extorquindo o seu desconforto. Recomposta, retira a caixa da mala. Abre-a, fixa-a, baixa a cabeça, fecha os olhos, limpa as lágrimas, e deixa-se adormecer no sofá sobre a agridoce vibração de uma guitarra flamenca e sobre a perfídia iluminação de um crepúsculo de tons hibisco.