quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Trump e o Brexit

Sinceramente não percebo qual o espanto na vitória de Trump nas presidências dos EUA, nem a do Brexit no Reino Unido. Os votos em Trump e no Brexit são votos de descontentamento. Se espanto existe nos resultados destes dois plebiscitos então é porque não percebemos nada do mundo nem das pessoas. Algo está a falhar.

No fim da década de 20 do século transacto as desigualdades sociais nos EUA atingiram um máximo histórico e tivemos a grande depressão de 1929. Estas voltaram a disparar na década de 80 e desde então cresceram, tendo igualado, na primeira década deste século, o mesmo máximo da década de 20 . E então? Então, tivemos a grande recessão de 2008. As desigualdades continuam a crescer o que quer dizer:

1. Os mais pobres continuam a olhar para cima e a verem-se "injustamente" cada vez mais pobres.  Olham para este modelo de globalização que na sua perspectiva não lhes trouxe nada senão imigrantes que lhes roubam os empregos e que lhes baixam os salários. O nacionalismo e o xenofobismo são a sua resposta.

2. A classe média continua iludida pela fábula de que um dia se transformará em classe alta e que beneficiará de todos os seus privilégios. Então, apesar de tudo o que tem sofrido, a metade da classe média que sobreviveu aos últimos anos continua a olhar para cima como se o baixo não existisse, e é por isso que está tão surpreendida que muitos mais do que eles votem Trump e Brexit. E não conseguem avistar que são dos poucos que beneficiam desta globalização e, por tal, pensam que o mundo agora é que está louco.
A outra metade da classe média, que hoje vive frustrada por estar mais perto da classe baixa do que da alta e que sofreu com as alterações dos últimos anos, em quem pensam que vota?

Eu sei que é muito difícil pensar que alguém vote em mudar a ordem. Nas nossas cabeças a mudança parece inconcebível. Como é possível alguém votar numa incógnita, em algo que aparenta ser pior? Ora, para quase todos os que votaram Trump e Brexit pode mesmo esperar-se muito pior? Somos esquecidos ou ignorantes? A verdade é que os muitos cuja esta ordem não interessa são agora a maioria e o mundo afinal não é bem como pensávamos o que é. Afinal há qualquer coisa sobre o mundo que não estamos a perceber. E a esta afirmação é fácil de responder, não estamos a perceber porque imaginamos que toda a ordem é inquestionável e que tudo o resto é como o pouco que está perto de nós.


Tanto nos EUA como na Europa as desigualdades sociais, e em muitos lugares em paralelo com a pobreza, aumentaram e o desespero, misturado de ambição enferma, parece agora maioritário. Aliás, confesso que tenho dúvidas em quanto devo atribuir culpas entre a verdadeira exclusão e os maus julgamentos. E esta aparenta ser a maior proximidade à realidade, infelizmente. Os governantes europeus não se entendem e refugiam-se no proteccionismo. Os nacionalismos recrudescem. A Hungria e a Polónia já têm regimes de extrema direita nacionalista e nós na Europa devíamos bem saber os seus perigos, ou já os esquecemos? Até temos um novo muro mas a União Europeia não está muito preocupada. Se há coisas que a história nos ensina é que nada acontece do nada. E muito do que move a história é o ressentimento como bem percebeu Marc Ferro no seu livro "O Ressentimento na História". Eu volto a perguntar: afinal qual o espanto? Em que mundo vivemos, ou em que mundo pensamos que vivemos? Que ilusões metemos nas nossas cabeças? Toda a ordem é constantemente colocada à prova e a ambição de alguns é virá-la em seu beneficio. Se estamos a votar contra a ordem é porque já existem menos pessoas a beneficiar e  a serem felizes com a sua actual configuração do que os que dela tiram proveito. Devíamos ter olhado para as desigualdades porque quase tudo do ser humano é perspectiva. É a minha conclusão. Se é bom ou mau depende da perspectiva. Se os ingleses votam Brexit e os Americanos votam pelo isolacionismo não quer dizer que as pessoas estejam malucas. As aclamações de exagero vêm daqueles que ainda hoje decidem e que nos colocaram onde estamos. Ou melhor, admito que as pessoas estão loucas e malucas mas essa é apenas uma consequência não é a verdadeira causa dos resultados. Deveríamos parar para pensar porque estão loucas e malucas mas isso não interessa a quem está estabelecido na ordem, além de que o mundo de hoje não pode parar de correr e pensar em coisas "menores". Se pensamos que só agora estamos a votar em loucos então devemos pensar de novo porque aqueles em quem votámos anteriormente não deixaram isto muito bem, mas esses talvez por ignorância.
Para outros Trump não será mais do que igual aos que ainda lá estão e após a vitória poderá esquecer tudo o que prometeu (ler o artigo de Miguel Esteves Cardoso). Dificilmente será Trump, ele que foge aos impostos, ele que é milionário e que quer acabar com o Obamacare, que proporcionará uma melhoria de vida aos excluídos. Isso é o irónico destas eleições e revela o quanto as pessoas não acreditam tanto nos que ainda lá estão como naqueles que os desafiam Quem vota, fá-lo mais contra algo e não a favor desse alguém, só querem mudar. Por outro lado, a vitória do Brexit prova que a União Europeia é um projecto estritamente político e de interesses, não existe solidariedade intraeuropeia. E se os europeus continuarem a rejeitar o papel fundamental da solidariedade na coesão europeia então os britânicos, nada mais nada menos, anteciparam-se ao fatídico momento da desintegração europeia e num futuro estarão melhor do que nós, bem mais rápido (?). Não deixo de pensar nesta possibilidade que parece tão ridícula quanto o Brexit e Trump ganharem os seus plebiscitos. O que irá acontecer ninguém sabe, o que deveríamos saber é como as pessoas se sentem e como vivem neste momento, com expectativas e ambições desfasadas, incongruentes e incompatíveis com a realidade  actual . E é a isso que devíamos dar importância porque só percebendo-o poderemos fazer as escolhas certas.

terça-feira, 8 de novembro de 2016

As Velas Ardem até ao Fim, a Irmã - Sándor Márai

Não me lembro como descobri este autor mas penso ter sido numa feira do livro de Lisboa enquanto folheava livros por descobrir. Sándor Márai é, era, húngaro, o que me faz pensar que tenho uma tendência para gostar de autores da Europa Central. A verdade é que gosto das suas capacidades sintético-analíticas, sem floreados, poupado, sem grandes descrições mas grandes explicações, traduzindo-se numa condensação prosaica da realidade.

O seu livro mais conceituado, sem dúvida, As Velas Ardem até ao Fim, é nada mais nada menos do que um tratado sobre a amizade, a partir do qual constatei, de facto, poucos autores escrevem sobre.  Um outro livro, A Irmã, que terminei anteontem de ler, é nada mais nada menos do que um tratado sobre o amor, este, sobre o qual muitos autores escrevem sobre. A sua virtude e singularidade reside  na sua profunda clareza e na capacidade de responsabilizar o leitor por todas as respostas como um professor que ensina os alunos a pensar, ou como nos torna juízes perante a exposição dos advogados da acusação e da defesa.

Em A Irmã:

"Coloquei os jornais e as revistas comprados na estação em cima da mesa e mergulhei na sensação agradável e familiar que acompanha a experiência talvez mais bonita da vida: a viagem, ou melhor, a partida em viagem. Como se naqueles momentos os contratos que regulavam a minha vida - o trabalho, as relações pessoais e sociais - tivessem perdido sentido.
...Viajar é renascer, libertar-nos das responsabilidades, vadiar, e encontrarmos as imagens perdidas da juventude."
 
"Tive de admitir novamente que a matéria-prima do meu trabalho, a palavra, não é um elemento tão imprescindível da comunicação humana como às vezes os escritores obcecados supõem. Nos momentos críticos, as pessoas percebem o essencial, dito com muito poucas palavras ou sem nenhumas."

"Porque é que esperamos, pensei, e cremos que os grandes povos se possam entender, e conviver em paz nas diferentes regiões da terra, quando cada ser humano é vítima de paixões cegas e impulsos sem controlo?"

"Escritor, vê se aprendes a ser humilde... Não sabes nada sobre os homens, nem sobre as forças que os movem e os impulsionam a viver ou morrer. Não sabes nada sobre o amor, nas tuas obras só trabalhas com ideias preconcebidas. A realidade é muito mais surpreendente, a sua capacidade criativa é muito mais rica e mágica que qualquer situação humana que o homem pode conceber dentro dos limites da sua própria imaginação."

"... sem receber resposta ao incompreensível que se passava com eles. «Para amar não tem que ser bonito, para amar não tem que ter juízo...»"

"Não podemos aceitar que as pessoas em plena consciência, com capacidade para a autocrítica, sucumbam tão facilmente perante o turbilhão da paixão. Não me posso conformar com a ideia de que algum sentimento seja mais forte do que a razão... Que seria do mundo se admitíssemos esta possibilidade?"

Em As Velas Ardem até ao Fim:

"Era bom saber se existe amizade realmente? Não me refiro àquele prazer ocasional que faz com que duas pessoas fiquem contentes porque se encontraram porque num determinado período das suas vidas pensavam da mesma maneira sobre certas questões, porque os seus gostos são semelhantes e os seus passatempos iguais. Nada disso é amizade. Às vezes chego a pensar que é a relação mais forte da vida... talvez por isso seja tão rara. "

"As simpatias que vi nascer entre pessoas acabaram sempre por se afogar nos pântanos do egoísmo e da vaidade. A camaradagem, o companheirismo, às vezes, parecem amizade. Os interesses comuns por vezes criam situações humanas que são semelhantes à amizade. E as pessoas também fogem da solidão, entrando em todo o tipo de intimidades de que, a maior parte das vezes, se arrependem, mas durante algum tempo podem estar convencidas de que essa intimidade é uma espécie de amizade. 
Naturalmente, nesses casos não se trata de verdadeira amizade. Uma pessoa imagina que a amizade é um serviço. O amigo, assim como o namorado, não espera recompensa pelos seus sentimentos. Não quer contrapartidas, não considera a pessoa que escolheu para ser seu amigo como uma criatura irreal, conhece os seus defeitos e assim o aceita, com todas as suas consequências. Isso seria o ideal. E na verdade, vale a pena viver, ser homem, sem esse ideal?
E se um amigo falha, porque não é um verdadeiro amigo, podemos acusá-lo, culpando o seu carácter, a sua fraqueza? Quanto vale aquela amizade, em que só amamos o outro pela sua virtude, fidelidade e perseverança? Quanto vale qualquer afecto que espera recompensa? Não seria nosso dever aceitar o amigo infiel da mesma maneira que o amigo abnegado e fiel? Não seria isso o verdadeiro conteúdo de todas as relações humanas, esse altruísmo que não quer nada e não espera nada, absolutamente nada do outro? E quanto mais dá, menos espera em troca? "


"E cada livro continha uma pitada de verdade e cada recordação insinuava que é vão conhecer a verdadeira natureza das relações humanas, porque nenhum conhecimento torna a pessoa sábia. E é por isso que não temos o direito de exigir a verdade e a fidelidade absolutas daquela pessoa que um dia tínhamos aceite como amigo..."

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

O sol de Outono

Gosto do Outono. Gosto dos dias em que o sol começa a dar lugar à noite. Gosto do Outono. Pensando bem, bem que podemos aprender algo com o Outono. Gosto de acordar e de sentir o sol e de saber se o Outono ainda tem dias de praia para nós. É que, cada dia que passa o sol vai dando lugar à noite. Então penso quantos mais dias de praia o Outono me dará? Sinto o sol. E sei que tenho de aproveitar. É isso o que o Outono me ensina. Como não sei quanto mais sol teremos, como não sei quantas mais vezes poderemos ir à praia, simplesmente tenho de aproveitar. Aproveitar o sol e a praia pois não sei qual será o último dia. Será hoje? Será este? Não sei. Talvez vá à praia mas levo um agasalho. O sol está lá mas o vento também e o frio espreita esgueirado nas noites que espreitam sobre os fins de tarde. E porque a praia não é só para os dias de praia é muito mais do que isso. Porque não são os dias que fazem os dias de praia é a praia que faz os dias. E tudo o que a praia tem. Tudo, mas só tudo o que é dela, não o que é nosso. Não. Hoje não vou à praia. Hoje já não. Sobra-me a angústia de não saber se terei outra oportunidade. E resta-me o consolo das memórias da praia porque as memórias têm tanto dos lugares como os lugares têm de memórias. Vou apenas descansar, relaxar e sentir o sol enquanto posso. O Outono é nosso amigo porque não nos tira o sol sem recado. Talvez devêssemos aprender o que ele nos quer ensinar. Gosto do Outono.

quarta-feira, 15 de junho de 2016

Sobre o Portugal-Islândia do Euro 2016


Fernando Santos parece-me um homem inteligente, sério e modesto. Por isto, e por acreditar na sua capacidade como treinador, estava algo confiante antes do início do Euro. Mas depois confesso que comecei a ficar preocupado quando vi o sorriso do Ronaldo no túnel de acesso antes do jogo começar. Sinceramente, a última vez que tinha visto esse sorriso, petulante do meu ponto de vista, e ao serviço da selecção, foi na conferência de imprensa que antecedeu a estreia de Portugal no Mundial de 2014, quando ele mesmo disse que aquele seria o ano de Portugal.
Fonte: http://www.ticketbis.com/ar/entradas-competiciones/ca9

Contra a Islândia, Portugal esteve organizado na primeira parte, e parece-me que esteve bem. Mas a partir do golo da Islândia, aos 50 minutos, demonstrou-se porque não ganhamos campeonatos, e porque ganham os alemães, os espanhóis e os italianos. Já agora a Itália está sem vedetas mas será sempre a Itália porque é sempre um colectivo. A partir do golo da Islândia não houve colectivo e os jogadores esqueceram tudo o que provavelmente Fernando Santos têm tentado trabalhar. Pelo menos espero que sim. Ronaldo é um jogador fabuloso. Mas a sua maior virtude é também o seu maior defeito: quer protagonismo e quer resolver, esquece a equipa, e faz a equipa esquecer que é uma equipa. Quero com isto dizer que, neste jogo Ronaldo chutou sem critério quando tinha uma linha de passe, e que privou a equipa de lances de bola parada para chutar de tão longe esquecendo que ele é Ronaldo mas não o Ronald (Koeman). Já agora, por que há-de ser sempre o Ronaldo a marcar os livres quando temos outros talentosos jogadores para o fazer? Nos jogos de preparação tínhamos uma equipa mas Ronaldo não estava lá. Só posso concluir que o Raphael marcou um grande golo de livre porque Ronaldo não estava lá. Afinal, de que servem os jogos de preparação? Para quê testar uma equipa e jogadores se depois fica tudo na mesma, marca o Ronaldo? Se Ronaldo tivesse jogado contra a Noruega que mérito dávamos hoje ao Raphael? Eu prefiro não ter o Ronaldo e ter 11 jogadores que apostam no que cada um tem de melhor, em vez de ter 10 jogadores que se esquecem de si porque o décimo primeiro é orgulhosamente o melhor. A Espanha marcou aos 87 minutos contra a República Checa porque nunca abdicou de jogar como equipa. Claro que o talento também conta, mas tem de ser o talento de todos. E porque continua a imprensa a dar tanto protagonismo ao Ronaldo? Ele nem está em forma… Assim só alimentam erradamente o seu ego futebolístico (não o conheço enquanto pessoa e não é isso que está em causa). E porque continua a imprensa a pensar que os nossos grupos são sempre fáceis? Por acaso alguma vez tivemos qualificações fáceis?
Ao Ronaldo faltou humildade e respeito pelo adversário, que penso não ter faltado aos outros jogadores. Faltou concentração. E no final do jogo em vez de fair-play e de dar os parabéns ao adversário ainda os criticou. Engraçado, o que se auto-apelida como o melhor do Mundo a criticar aqueles a quem não consegue ganhar. Como disse o Kahn “Ronaldo está a ficar velho e chato”. É este o nosso capitão. E infelizmente receio que neste momento seja tanto uma das soluções da selecção como também o seu maior problema. E aos treinadores da selecção tem faltado a coragem de não dar todo o estatuo ao Ronaldo: parece-me que Ronaldo nunca foi especialista a marcar livres, tem sido bom, mas há outros melhores para esse trabalho. E não vou falar de outras opções de jogadores, em forma ou em baixo de forma, rotinados ou menos rotinados porque isso já não sei.
Só sei que temos tido avisos de mais ao longo da nossa história, mas parece-me que nunca irão chegar.
Espero que este começo tenha o mesmo impulso que o começo do Euro 2004. Força à EQUIPA  de Portuga!

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