quinta-feira, 5 de setembro de 2013

O que eu tenho para te dizer

Com o fim das férias, Setembro. Para trás as manhãs manhãs e os fins de tarde na praia. O sossego das praias longe da cidade, dos prédios, de toda a confusão da qual queríamos fugir. Na tranquilidade da areia branca e fina a leve brisa do vento afastava-me de qualquer lugar, mesmo dali. Nesse torpor das palavras silenciosas da natureza adormecia. De manhã acordavas-me quando o sol já era forte e íamos para o apartamento almoçar. Depois adormecias e sentava-me a ler uma revista ou, simplesmente, a pensar em qualquer coisa. Por vezes, quando era preciso, ia ao supermercado. Não tínhamos televisão, ainda bem. Líamos o jornal para saber as notícias, chegava. Nas férias preciso de fugir de tudo, mesmo de tudo, incluindo todas as coisas que só me fazem perder tempo. Enquanto dormias a sesta pensava em como deveria dizer-te o que tanto preciso contar-te, se, até, deveria contar-te nestas férias ou só depois? Mas quando acordavas ligavas logo o portátil e consultavas o e-mail da empresa. E ficavas ali um tempo a responder. E eu. Já não dizia o que te queria dizer. Voltávamos para a praia quando o sol já não era forte, quando a temperatura era agradável, morna. Este verão a temperatura da água estava maravilhosa. Nadámos muito. Um ou outro dia convidámos alguns amigos para vir ter connosco, outras vezes, fomos ter com eles. Em todas as viagens de carro telefonaram-te da empresa. Atendias com o telemóvel ligado ao sistema de som do carro e eu ficava, assim, a ouvir todas as coisas que não percebo e que tu fazes no teu emprego. Talvez um dia venha a perceber alguma coisa. Nos fins de tarde, antes de irmos para casa, passávamos por um café ou um bar qualquer à beira da praia, e ficávamos ali sentados a ver o pôr-do-sol, tu, sempre com um cocktail, eu, sempre com um sumo fresco daqueles tipo tropical. Nos primeiros dias ligavas-te à internet através do telemóvel usando o plafond da empresa mas rapidamente gastaste o tráfego a que tens direito. Nos dias seguintes, sem saberes, eu tentava sempre levar-te para um bar sem wi-fi, porque quanto te ligavas à internet possuía-te uma obsessão e não me ligavas nenhuma. Não conversávamos e pouco nos olhávamos, tu, sempre com a cabeça inclinada para baixo como se as férias não se passassem ali. Ainda te enganei nos primeiros dias mas depois começaste a seleccionar os bares com wi-fi. Cedi para não me zangar. Não haveria problema se falássemos, mas tu nunca falavas.
A seguir ao pôr-do-sol íamos para casa, tomávamos banho, e saíamos para jantar fora. Eu procurava um restaurante acessível, de bom gosto, e se possível, discreto, sem a confusão dos dias de férias de Agosto. Tu só perguntavas se tinha wi-fi? Quando o restaurante me interessava tapava os ouvidos e entrava lá para dentro para marcar mesa, sem querer saber a tua opinião. Sem internet, lá conversávamos um bocadinho. Não interessava a conversa. Depois do jantar passeávamos pela marginal, pelos vendedores ambulantes, até nos voltarmos a sentar num bar qualquer para beber um copo, comer um gelado, descansar as pernas. Até teres descoberto aquele bar com wi-fi. Paravas sempre ali, porque eu vinha sempre um pouco mais atrás, na distracção de todas as coisas da venda ambulante. No bar, ligavas-te outra vez à internet, e eu, olhava. Não para ti. Para todos os outros que pareciam estar ali, tal como tu, só para uma coisa. Cabeças baixas a espreitar para os pequenos visores de onde, em quase todos, irradiava uma luz branca e azul, provavelmente o Facebook, como uma praga de pirilampos. Às vezes queixavas-te que não estavas a conseguir ligar-te à net, que deveria ser de todas aquelas pessoas estarem ligadas e enfraquecerem o sinal. Ainda bem! Todos os bares e restaurantes com wi-fi estavam cheios cheios. Deixavas-me no lugar da solidão e foi assim, nesse lugar, onde reencontrei guardada num cantinho da memória, a lembrança daquelas caravanas de telefones fixos que, quando éramos crianças, eram colocadas nas cidades do Algarve para telefonarmos para casa. Lembrei-me das filas que havia para entrar nessas caravanas, só para dar uma simples notícia à família, só para saberem que estava tudo bem. E, depois, era fácil voltar às férias. Uma vez por outra o meu pai passava-me o auscultador para falar com o avó, a avó, avisando-me um tempinho depois para me despachar que a chamada era cara. E, enquanto tu fazias companhia ao Facebook, lembrei-me também do primeiro telemóvel do meu pai que, numa dessas férias, usámos pela primeira vez para telefonar para os avós. Nesse ano ainda havia filas nas caravanas dos telefones, mas no ano a seguir já não e, no outro ano, jamais vi as caravanas. Bem que estar num café ou bar contigo é quase a mesma coisa que estarmos dentro duma dessas caravanas. As férias foram passando e nem tive tempo de te dizer o que ando há algum tempo para te dizer. Pensava que nas férias seria fácil, mais fácil, que iríamos ter tempo para falar mais, mas, principalmente, para falar melhor, ou seja, ouvirmo-nos melhor. Mas talvez tenha sido melhor assim, porque, acabámos as férias e eu não te disse o que tenho para te dizer: ainda te amo muito mas estou apaixonar-me por outra mulher.

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