Trump e o Brexit
No fim da década de 20 do século transacto as desigualdades sociais nos EUA atingiram um máximo histórico e tivemos a grande depressão de 1929. Estas voltaram a disparar na década de 80 e desde então cresceram, tendo igualado, na primeira década deste século, o mesmo máximo da década de 20 . E então? Então, tivemos a grande recessão de 2008. As desigualdades continuam a crescer o que quer dizer:
1. Os mais pobres continuam a olhar para cima e a verem-se "injustamente" cada vez mais pobres. Olham para este modelo de globalização que na sua perspectiva não lhes trouxe nada senão imigrantes que lhes roubam os empregos e que lhes baixam os salários. O nacionalismo e o xenofobismo são a sua resposta.
2. A classe média continua iludida pela fábula de que um dia se transformará em classe alta e que beneficiará de todos os seus privilégios. Então, apesar de tudo o que tem sofrido, a metade da classe média que sobreviveu aos últimos anos continua a olhar para cima como se o baixo não existisse, e é por isso que está tão surpreendida que muitos mais do que eles votem Trump e Brexit. E não conseguem avistar que são dos poucos que beneficiam desta globalização e, por tal, pensam que o mundo agora é que está louco.
A outra metade da classe média, que hoje vive frustrada por estar mais perto da classe baixa do que da alta e que sofreu com as alterações dos últimos anos, em quem pensam que vota?
Eu sei que é muito difícil pensar que alguém vote em mudar a ordem. Nas nossas cabeças a mudança parece inconcebível. Como é possível alguém votar numa incógnita, em algo que aparenta ser pior? Ora, para quase todos os que votaram Trump e Brexit pode mesmo esperar-se muito pior? Somos esquecidos ou ignorantes? A verdade é que os muitos cuja esta ordem não interessa são agora a maioria e o mundo afinal não é bem como pensávamos o que é. Afinal há qualquer coisa sobre o mundo que não estamos a perceber. E a esta afirmação é fácil de responder, não estamos a perceber porque imaginamos que toda a ordem é inquestionável e que tudo o resto é como o pouco que está perto de nós.
Para outros Trump não será mais do que igual aos que ainda lá estão e após a vitória poderá esquecer tudo o que prometeu (ler o artigo de Miguel Esteves Cardoso). Dificilmente será Trump, ele que foge aos impostos, ele que é milionário e que quer acabar com o Obamacare, que proporcionará uma melhoria de vida aos excluídos. Isso é o irónico destas eleições e revela o quanto as pessoas não acreditam tanto nos que ainda lá estão como naqueles que os desafiam Quem vota, fá-lo mais contra algo e não a favor desse alguém, só querem mudar. Por outro lado, a vitória do Brexit prova que a União Europeia é um projecto estritamente político e de interesses, não existe solidariedade intraeuropeia. E se os europeus continuarem a rejeitar o papel fundamental da solidariedade na coesão europeia então os britânicos, nada mais nada menos, anteciparam-se ao fatídico momento da desintegração europeia e num futuro estarão melhor do que nós, bem mais rápido (?). Não deixo de pensar nesta possibilidade que parece tão ridícula quanto o Brexit e Trump ganharem os seus plebiscitos. O que irá acontecer ninguém sabe, o que deveríamos saber é como as pessoas se sentem e como vivem neste momento, com expectativas e ambições desfasadas, incongruentes e incompatíveis com a realidade actual . E é a isso que devíamos dar importância porque só percebendo-o poderemos fazer as escolhas certas.