segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

O tempo

Esperar, como todos sabemos, demora tempo a passar. Quando me sentei naquele banco de jardim não tinha qualquer intenção de pensar o que acabei de pensar. Estava cansado, Já não corria há pelo menos uns quatro meses, e já tinha decidido voltar para casa. Mas pelo caminho encontrei aquele banco. Ora, imaginem: estão cansados, estão num jardim e vêm um banco? O sol ainda o iluminava e não foi muito difícil convencer-me a sentar-me. Primeiro deixei o sol penetrar-me a pele. Saciado, decidi fazer o que costumo fazer, observar as pessoas:

Num outro banco, numa álea perpendicular, está um casal de velhos, ou idosos, para ser educado. Para além de estar sentado num banco de jardim o que terei, mais, em comum com eles? Pelo menos, gostamos de estar sentados num banco de jardim. A ideia assusta-me. Não me escapa a sensação de ser parecido com os velhos. Quantas pessoas farão o mesmo que eu faço num banco de jardim? Quantas pessoas estão, também elas, a observar pessoas? Na tentativa de desviar as minhas atenções destes pensamentos, viro a cabeça. Num banco ao lado uma rapariga, talvez nos seus catorze, quinze anos. Escreve mensagens no telemóvel. Distraio-me com um casal que corre. Passaram à minha frente. Ela de cabelos longos pretos, ele de cabelo encaracolado, castanho. Não estão cansados. Volto a olhar para a rapariga, talvez nos seus catorze, quinze anos. Escreve mensagens no telemóvel. E, uma ideia vem-me à cabeça: a maneira de ver o tempo é diferente para aquela rapariga, para mim e, para aquele casal de idosos. Enquanto a rapariga acabou de descobri-lo, eu estou na sua vertigem e, o casal de idosos saboreia-o. Por outras palavras, enquanto somos crianças desconhecemos a verdadeira dimensão do tempo. Aprender o que é o tempo é tal e qual como aprender qualquer outra coisa. Primeiro é preciso passar por ele. Assim, é normalmente na adolescência que deparamo-nos com a sua existência e o seu verdadeiro significado. Na adolescência tomamos consciência do nosso primeiro passado, o que significa que, pela primeira vez deixamos qualquer coisa para trás que já não volta.

É tomando consciência do passado que já não volta que nasce o primeiro sentimento de nostalgia, normalmente a da infância. Nostalgia não faz sentido sem passado. Aquela adolescente está nesta fase. Entre a adolescência e a fase adulta o tempo vai aumentando o seu ritmo gradualmente, acelera. O tempo passa a ser uma medida que aprendemos a usar. Quanto a mim, já estou nessa fase. Estou na fase em que já aprendi o quanto ele me limita. Ora, se o tempo me limita é porque, para mim, ele passa rápido de mais. Nunca temos tempo para nada. Não há tempo suficiente. Depois de ter aprendido que ele existe, aprendi a viver com ele, pelo menos com o tempo que tenho. Mas tudo passa, sempre, rápido. E quanto ao casal de idosos? O que é o tempo para eles? Para eles o tempo passará, eventualmente, devagar. Devagar? Sim. Depois de descobrirem o tempo nos seus catorze, quinze anos, e, tal como eu, muito provavelmente, quase nunca tiveram tempo para nada. Agora, velhos, o tempo volta a ser lento. Volta a ser lento porque o tempo é uma medida da velocidade a que conseguimos fazer as nossas coisas. Depois de aumentar o seu ritmo o tempo volta a desacelerar. Na verdade um velho sabe que a vida está-se a esgotar. E eles sabem que estão a esperar. Ora, esperar, como todos sabemos, demora tempo a passar. O tempo é assim mais lento na velhice.

O casal que ainda há bocado passou por mim, voltou a passar. Ela de cabelos longos pretos, ele de cabelo encaracolado, castanho. Já estão, pelo menos, um bocado, cansados. Volto a olhar para o casal de idosos sentados num banco, numa álea perpendicular aquela em que eu estou. Com normalidade volto a pensar:

Depois da primeira fase de descobrir o tempo, e da segunda de correr contra o tempo, e chegado à velhice, existem três tipos de velhos: os que regressam à primeira fase - a da adolescência -, os que percebem que devem passar a uma terceira fase - a fase em que dominam o tempo - e, os que não aprenderam nada com o tempo. Na primeira hipótese aquele que chega à velhice opta por regressar a um estado de nostalgia, onde relembra tudo o que viveu, fazendo uma introspecção sobre a sua passagem pela vida. Na segunda hipótese, o velho entende que não pode perder mais tempo numa fase de nostalgia porque o tempo que lhe resta é agora o último, não existindo mais tempo para perder tempo. Aproveitam o que lhes resta, manuseando, desta vez, a velocidade do tempo, a velocidade que o próprio tempo lhes ensinou. Na terceira hipótese o velho não assume as lições do tempo deixando-se ficar na segunda fase até ao fim.

Levanto-me do banco, caminho, não largando os meus pensamentos. Mas qualquer coisa distrai-me. O casal que ainda há bocado passou por mim, voltou a passar, depois de já ter passado. Ela de cabelos longos pretos, ele de cabelo encaracolado, castanho. Já estão, agora, cansados. Volto a olhar, pela última vez, para o casal de idosos sentados num banco, numa álea perpendicular aquela em que eu estava. Numa última tentativa de mudar o tema dos meus pensamentos, viro a cabeça. Num banco uma rapariga, talvez nos seus catorze, quinze anos. Ainda escreve mensagens no telemóvel. Volto a pensar, continuo a caminhar. Um dos segredos da velhice é saber prolongar o tempo. Quando uma pessoa chega a velho deve dizer qualquer coisa como: “Isto passou num instante!”. O que é verdade, porque, desde que descobriu o tempo, o seu ritmo aumentou sempre. Tudo passava e acontecia cada vez mais rápido. Mas agora tem a hipótese de aproveitar o que aprendeu. Fazer apenas o que merece ser feito, o que realmente é importante fazer. Na verdade, sabe-se escolher o que fazer, não perdendo tempo em banalidades, em futilidades. Sabe-se quando se deve fazer e sabe-se quando se deve esperar. Prolonga-se assim o tempo.

Quando dei por mim já estava à espera do metro. E esperar, como todos sabemos, demora tempo a passar.

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